Por Helânia Thomazine Porto
O artista afro-indígena Itamar dos Anjos Silva foi vencedor do Prêmio Mestre da Cultura Popular, pela Secretaria da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura – Edição Selma do Coco, em 2018. Ele tem mestrado em Ensino e Relações Étnico-raciais pela Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB-BA), além de ser dançarino, coreógrafo e artista plástico, é membro e co-fundador do Grupo Afroindígena de Antropologia Cultural Umbandaum e do Movimento Cultural Arte Manha, organizações não-governamentais situadas em Caravelas (BA). Seus trabalhos artísticos e culturais estão inseridos no território das identidades do Extremo Sul da Bahia, e junto às essas organizações não-governamentais – Arte Manha e Umbandaum, projeta para o mundo a sua arte e cosmovisão.
Em 2021, o artista Itamar dos Anjos inaugurou o seu ateliê Dandara Zumbi1, sendo uma das exposições “NÃO A PL 490, DEMARCAÇÃO JÁ”! Essa mostra está constituída por um conjunto de oito telas, em que se adota a arte naïf 2 associada ao pontilhismo3, tendo por objetivo principal denunciar as violências cometidas aos povos indígenas ao longo de 521 anos de história, essas acentuadas em um período em que o Brasil é atravessado por uma crise sanitária, em decorrência do Covid-19, e pela política negacionista do Estado.
A tela “Cobaias do capitalismo” é um dos trabalhos desta coletânea. Ela revela que o genocídio aos filhos da Pachamama não é de agora. Trata-se de um painel de grande dimensão – com um metro e oitenta centímetros de comprimento, e com um metro e vinte e cinco centímetros de largura, sendo a combinação das técnicas de naïf e pontilhismo a responsável pela composição visual da grande Mãe-Natureza, representada esbulhada pelo capitalismo, consequentemente com seus filhos assassinados e abortados.
A obra aponta um conjunto de violências praticado aos povos originários, em que a Elite Econômica, a Igreja e o Estado são os tiranos responsáveis por essa configuração.

Outro trabalho é a tela “Pataxó em Perigo”, esta mede oitenta centímetros de comprimento e sessenta centímetros de largura, representando de forma contundente as implicações da aprovação do PL 490/2007 na vida do povo Pataxó da Bahia; que além do espólio de seus territórios por madeireiros e agropecuárias, serão penalizados quanto aos processos de retomada de seus territórios no Parque Nacional do Descobrimento e no seu entorno, que ainda não foram julgados, apesar de relatório concluído.

Já o trabalho intitulado “2020 – O ano que se queimou”, tem por um metro e vinte e três centímetros de comprimento e quarenta e três centímetros de largura. Seguindo o seu estilo –naïf e pontilhismo, o artista retrata os incêndios criminosos que aconteceram em áreas de reservas e de preservação ambiental em todo o país, principalmente em territórios indígenas, conforme se observou nos relatórios acerca de incêndios em florestas do Brasil em 2020, apresentado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2020), 40 mil km² de áreas verdes foram devastadas, isto é, 30% do bioma foi assolado pelo fogo, como mais de 45.000 focos de queimadas em todo território nacional.

A tela que recebe o nome da exposição “Não a PL 490 – Demarcação Já!”, mede 90 centímetros de comprimento e 52 centímetros de largura, também nos estilos naïf e pontilhismo. E, como as demais é uma arte denunciativa, no entanto, essa situa a violência aos povos indígenas no contexto do atual Governo, pois, conforme dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI, 2020), de 2018 a 2020 houve uma aumento dos casos de invasões de terras indígenas, um crescimento de 135%, além da acentuação de atos violentos em aldeamentos, incluindo incêndio de residências e assassinato de lideranças.
Nesse sentido, por meio das chamas de fogo que representam os incêndios criminosos dos últimos anos, essa produção chama associa os referidos crimes ambientais ao projeto de desapropriação dos indígenas de seu território, uma vez que o PL 490 tem sido fomentado e apoiado pela bancada ruralista, que almeja as terras indígenas para a implementação do agronegócio.
Nessa perspectiva, em adesão à Campanha #NãoAoMarcoTemporal, o artista rejeita o PL 490, considerando que se trata um projeto de lei criminoso, indo de encontro ao que preceitua a Constituição Federal de 1988, que garante que as demarcações de territórios indígenas sejam realizadas pela União, por meio de abertura de processo administrativo pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), com equipe técnica multidisciplinar, incluindo antropólogos, sem a necessidade de comprovação de data da posse da terra, uma vez que os indígenas são os povos originários, portanto já estavam por aqui quando os europeus chegaram. Essas questões podem ser lidas na imagem do cacique, no plano de fundo da tela, tendo a sua frente o Congresso Federal manchado de sangue indígena.

Essa arte plástica estabelece uma intersemioticidade com o trabalho “Galdino, do Primitivo ao Contemporânea” (produzido em 2007), pois esse trabalho também aborda os genocídios, etnocídios e perseguições seculares aos povos originários. A tela tem por dimensões de um metro e dez centímetros de comprimento e oitenta centímetros de largura, sendo para o artista afroindígena Itamar dos Anjos uma homenagem póstumas a liderança do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, Galdino Jesus dos Santos assassinado no “Dia do Índio”, em 19 de abril de 1997, em Brasília.
Essa arte retoma a narrativa do assassinato de Galdino Pataxó, informando que essa liderança após o seu retorno de protestos realizados em frente ao Congresso no “Dia do índio”, ao se deparar com as portas da pensão em que se hospedara fechadas, e não podendo entrar, procurou repouso em um banco, próximo ao ponto de ônibus e à pensão. Sendo naquela madrugada, seu corpo incendiado por três jovens da capital. Com 95% do corpo queimado, Galdino Pataxó veio a óbito em 22 de abril de 1997, sepultado em Pau-Brasil (Bahia), município em que se localiza o aldeamento dos Pataxó Hã-Hã-Hãe.

Junto à exposição dessa tela, o artista e demais membros do Arte Manha e Umbandau, produziram o espetáculo “Queima de Arquivo”, com vistas a delatar as violências empreendidas aos povos indígenas, com destaque para os dez anos de assassinato de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe frente a ingerência do Estado em punir os assassinos. Sendo assim, a exposição Não a PL 490 – Demarcação Já!” é mais um trabalho artístico-cultural pensado e realizado pelo artista Itamar dos Anjos, que tem se colocado de forma comprometida com a memória coletiva e em enfrentamento aos processos discriminatórios e violentos sofridos por indígenas e afro-brasileiros.
Outras obras de Itamar dos Anjos:
“Memória” “DESDE 1500”
1 Os trabalhos do artista podem ser consultados e adquiridos, por meio de suas redes sociais: https://www.facebook.com/itamart.dosanjossilva e https://www.instagram.com/ita.afro/.
2 A arte naïf tem sido entendida como produção artística realizada por autodidatas, apresentando uma linguagem pessoal e original de expressão grafo-plástica.
3 O pontilhismo é uma técnica de pintura que surgiu na França no final do século XIX no bojo do movimento impressionista. Na sua produção artística, Itamar utiliza-se do pontilhismo como técnica de preenchimento das formas produzidas por traços e cores.