Agência FAPESP* –Elton Alisson | Agência FAPESP – Apesar de não ter ficado imune às ondas de desinformação e ao negacionismo científico que emergiu no mundo nos últimos anos, o Brasil continua sendo um dos países cuja população declara ter maior interesse e otimismo sobre a ciência e defende que os investimentos públicos nessa área devem ser mantidos ou aumentados, mesmo em anos de crise.
Quase a totalidade (94%) dos entrevistados na nova edição da pesquisa sobre “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil”, lançada quarta-feira (15/05) pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), apontou que o governo deve aumentar ou manter os investimentos em pesquisa científica e tecnológica nos próximos anos, contra apenas 3% que indicaram que é preciso diminuir os investimentos.
A porcentagem dos brasileiros que reconhece a existência das mudanças climáticas também é das mais altas no mundo. A maioria da população (95%) afirma ter consciência de que esse fenômeno está ocorrendo no país e no planeta e 60% acreditam que ele representa um grave perigo.
Os índices de percepção do problema só não foram tão altos no Centro-Oeste e no Sul do país, de acordo com dados do levantamento conduzido pelo CGEE por demanda do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria com o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Foram entrevistadas 1.931 pessoas com mais de 16 anos, com cotas por gênero, idade, escolaridade, renda e local de moradia de todas as regiões do país.
Uma das constatações feitas por meio do estudo foi que o nível de interesse da sociedade brasileira sobre ciência e tecnologia tem se mantido estável ao longo das últimas duas décadas de realização do trabalho. Mais da metade dos entrevistados (60%) declararam estar interessados ou muito interessados nesses temas, à frente do interesse por esporte (54,3%); arte e cultura (53,8%); e política (32,6%).
“Embora tenha tido uma pequena queda em momentos de crise social e política, o interesse do brasileiro por ciência e tecnologia, em média, é maior do que o observado em outros países. O fato de mais da metade dos brasileiros dizerem que têm interesse por ciência é um indicador da relevância social que eles atribuem a esse tema, independentemente do fato de eles se sentirem parte ou não dela. Os brasileiros não estão tão distantes da ciência como muitos cientistas e intelectuais acham”, disse Yurij Castelfranchi, coordenador do Observatório de Inovação, Cidadania e Tecnociência (Incite) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), durante o evento de lançamento do estudo.
A visão positiva que a sociedade brasileira tem sobre a ciência e a tecnologia também tem se mantido alta ao longo das últimas décadas, indicam os resultados do estudo. No total, 66% dos entrevistados disseram que a C&T traz só benefícios ou mais benefícios do que malefícios para a sociedade – um percentual maior do que o registrado em países como o Japão e o Canadá.
“O que mudou nos últimos anos em relação a isso no Brasil – e que foi um impacto da polarização política e radicalização crescentes nas redes sociais – foi um aumento não do número de pessoas que dizem que a ciência é do mal, mas das que avaliam que a ciência traz tanto benefícios como malefícios”, apontou Castelfranchi.
“A fração de brasileiros que alguns chamam de anticiência continua correspondendo a entre 4% e 6%. É uma minoria muito pequena da população. Os brasileiros não são anticiência e não acham que a ciência é perigosa”, afirmou o pesquisador.
Em geral, os brasileiros tendem a perceber as novas tecnologias como mais positivas do que negativas, mesmo as mais controversas, como a nuclear e a nanotecnologia, e consideram que as vacinas são importantes e têm impactos muito positivos na saúde pública. Somente 8% disseram que os impactos delas são negativos, revelou o estudo.
“Os brasileiros têm uma visão de apoio e são relativamente otimistas em relação a qualquer nova tecnologia. Eles querem participar, demandam que os cientistas expliquem e que os riscos das novas tecnologias sejam conhecidos, mas não são contra elas a priori. Muitas pessoas no Brasil [quando questionadas sobre uma nova tecnologia] respondem que não sabem, que não explicaram para elas ou não sabem avaliar o impacto delas, mas não manifestam rejeição. Na União Europeia, por exemplo, não é assim. Os transgênicos são proibidos lá”, comparou Castelfranchi.
Os pesquisadores também constataram que tem aumentado muito, desde 2010, o número de brasileiros que acham que a ciência brasileira está atrasada, e atribuem esse fenômeno à crise política vivenciada pelo país nos últimos anos. “A ausência de uma política sólida e coerente levou, a meu ver, os brasileiros a enxergarem um perigo para a ciência brasileira”, afirmou Castelfranchi.
Somente 15% dos brasileiros avaliaram na pesquisa que a ciência brasileira é avançada e 35% opinaram que ela é intermediária. Porém, esses números apontam não para uma crítica, mas para a necessidade que os brasileiros enxergam de aumentar os investimentos em ciência, avaliou o pesquisador.
“Quando eles dizem que a ciência brasileira não é suficientemente avançada não estão dizendo que ela é ruim, mas que precisamos fazê-la avançar mais”, sublinhou.
Baixo conhecimento
A despeito do interesse e das atitudes dos brasileiros em relação à ciência e a tecnologia serem mais positivos em comparação com países mais ricos, o conhecimento dos brasileiros sobre o tema ainda é muito baixo. A maioria não sabe dizer o nome de uma instituição científica ou de um cientista brasileiro, ponderou o pesquisador.
Esse quadro mudou após a pandemia de COVID-19, em que aumentou a visibilidade da ciência brasileira e as instituições de pesquisa envolvidas no desenvolvimento de vacinas receberam ampla cobertura midiática. Mesmo assim, o percentual de pessoas que conseguem lembrar o nome de alguma instituição de pesquisa científica ou de algum cientista do país é muito baixo e está entre o menor da América Latina, apontou o estudo.
“Teve um pulo muito grande [no número de pessoas que souberam citar uma instituição científica ou cientista brasileiro importante] após a pandemia. Isso, a meu ver, foi devido a um esforço heroico de cientistas irem a campo, aos holofotes, além de jovens graduandos, mestrandos e doutorandos se inventarem nas redes sociais, tornando-se divulgadores brilhantes. Esse esforço levou a esse resultado”, afirmou.
“Além disso, a produção de vacinas [contra a COVID-19] por institutos como o Butantan e a Fiocruz permitiu dar um pulo muito grande na visibilidade da ciência brasileira no país após a pandemia”, completou.
Os hábitos culturais e o acesso a informações sobre ciência e tecnologia pelos brasileiros, caracterizados por visitas a zoológicos, museus de ciência, tecnologia e de artes e feiras científicas, por exemplo, também melhoraram, aponta o estudo.
A visita a museus de ciência, que em 2019 tinha regredido ao que era há uma década, voltou a crescer em 2023. Esses espaços passaram a ser frequentados, porém, por pessoas jovens, com escolaridade superior e renda familiar acima de cinco salários mínimos (mais de R$ 7 mil), pondera Castelfranchi.
“Estamos alcançando principalmente os jovens e ricos. Apesar de ter sido feito um esforço gigantesco pelos museus brasileiros de alcançar as escolas públicas, atrair milhões de visitantes, as pessoas que fazem visitação espontânea a esses espaços representam uma elite da população brasileira”, disse.
Vítimas da desinformação
O estudo também apontou que o percentual de pessoas que declaram não ter nenhum interesse em ciência no Brasil diminuiu, mas o perfil delas se manteve inalterado ao longo das últimas décadas: têm pouca escolaridade e baixíssima renda, em geral. É para essa parcela da população que devem ser priorizadas políticas de letramento científico, apontou o pesquisador.
“Não há pessoas anticiência no Brasil. Há os excluídos, os exilados da cidadania científica. A cidadania contemporânea é científica. Não tem como exercer cidadania sem participar ativamente da cultura científica, e há essa fração da população que não tem acesso a esse direito no Brasil”, avaliou Castelfranchi.
São esses exilados da cidadania científica no país que são mais vulneráveis a se tornarem vítimas da desinformação e de movimentos negacionistas como o climático e o antivacinas, recebendo e propagando notícias falsas, apontam dados do estudo.
“As pessoas com maiores níveis de escolaridade são as que mais checam e comparam as notícias que recebem e as que têm maior familiaridade com a ciência tendem a dizer menos que as mudanças climáticas não existem”, disse o pesquisador.
Entretanto, o conhecimento científico não é relevante na adesão a outras teorias conspiratórias, como o terraplanismo, porque esse problema está muito mais relacionado a questões ideológicas do que com a alfabetização científica, ponderou Castelfranchi.
“As pessoas que discordam totalmente que a Terra seja redonda têm os mesmos índices de conhecimento de ciência das pessoas que concordam. Há mais mestres e doutores terraplanistas no Brasil do que analfabetos porque a desinformação é um fenômeno político, de identidade política, em muitos casos”, disse.
A fim de combater a desinformação e as desigualdades no exercício da cidadania científica no Brasil é preciso focar em mecanismos específicos de letramento midiático e científico por região e classe social, avaliou o pesquisador.
O resumo da pesquisa “Percepção pública da ciência e tecnologia no Brasil” pode ser acessado em: www.cgee.org.br/documents/10195/4686075/CGEE_OCTI_Resumo_Executivo-Perc_Pub_CT_Br_2023.pdf.