Dra Norah Gamboa, da Venezuela, participa de reunião do Grupo Processocom

 

Na manhã da quarta-feira (12) ocorreu o encontro geral do Processocom (Unisinos, Brasil), que contou com a presença da Dra Norah Gamboa, membro da Rede AMLAT e professora da Universidad Nacional Simon Rodriguez (UNESR) Universidade Pública da Venezuela.

 Segundo Norah, apesar de todas as notícias veiculadas nas mídias diariamente, elas não refletem a situação real do país. Diferente do que se é noticiado, a “atual crise” não é tão atual assim, na verdade é uma consequência da ascensão de Hugo Chaves à presidência Venezuelana em 1998, momento no qual o país vinha sofrendo com mais de 50 anos por um regime democrático representativo, que mais se parecia com uma ditadura, por representar apenas as indústrias, comerciantes e burguesia venezuelana, criando um imenso abismo entre a majoritária classe pobre, que na época chegou a representar 80% da população.

O que hoje está sendo publicizado como uma crise humanitária, na verdade  trata-se de uma crise política e econômica, uma imensa disputa de poder, repleta de corrupções e manobras estadunidenses para controlar o país.

Os alimentos básicos, por exemplo, não estão em falta, pois as comunidades estão se organizando, resgatando culturas adormecidas de plantio e cultivo,  utilizando de todo e qualquer espaço disponível para tais fins. Os medicamentos por outro lado, estão em falta, pois a Venezuela além de não ter praticamente produção nenhuma interna industrial (e quando o tem, cerca de 50% da produção é contrabandeada para fora do país) se vê amarrada com diversas sansões de importações. Atualmente o país está importando da China, que mesmo que exporte para a Venezuela, se vê proibido de usar o canal do Panamá tendo que dar toda a volta na América Latina, demorando de 3 a 4 meses, no trajeto, tornando o abastecimento no país ainda mais escasso.

Outra grande falta no país são as proteínas, pois além de não haver grande produção, quando o há, se encontra em áreas fronteiriças, muitas vezes controlada por Colombianos que se recusam a vender internamente o rebanho, contrabandeando-o para a Colômbia.

Se todos esses agravantes não fossem suficientes, existe hoje uma imensa campanha midiática direcionada aos jovens para que assumam o “estado globalizado”, rompam com as fronteiras e tornem-se migrantes, essa corrente afeta principalmente os jovens, entre 18 e 30 anos.

A grosso modo isso pode até passar despercebido, mas falo em primeira pessoa enquanto graduando em Comunicação Social e o que eu entendo disso, é preocupante, como um país estrangeiro se utiliza das mídias para apagar a memória de todo um país, criando um falso ideal cosmopolita que tem como finalidade a posse das riquezas da Venezuela para benefício próprio e a criação de uma mão de obra barata, que muitas vezes internamente tem graduação mas se vê ludibriado por uma vida melhor em outros países, sonho esse que raramente se concretiza.

Norah até brinca em determinado ponto dizendo “A riqueza da Venezuela é o seu castigo”. A forma como a Venezuela vem enfrentando essa crise, se assemelha ao modo como Cuba lidou com a crise do petróleo em 1989, que teve que reinventar sua produção interna, voltando para uma técnica ruralista e comunitária onde a produção popular se utiliza até mesmo dos telhados para realização de hortas, o curioso nisso, é que diferente de Cuba, Venezuela detém uma imensa riqueza petrolífera é que a crise não é pela ausência do petróleo, mas sim em consequência do sucateamento da indústria e das sansões econômicas que impossibilita o país de importar diretamente os produtos.

Atualmente existem 10 empresas estrangeiras de distribuição de alimentos no país, porém o produto não chega até o mercado, isso porque se está criando um comércio ilegal de rua, onde “camelos” compram o produto diretamente das indústrias para vendê-los a preços exorbitantes nas rua. Segundo Norah, é comum  entrar em um mercado, não encontrar o que procura, e na saída, em frente a porta do mesmo, ter um camelo com o exato produto, quatro vezes mais caro. Um negócio que vem aumentando cada vez mais, fazendo com que os jovens larguem suas faculdades e entrem no negócio informal, por ser extremamente rentável. Se possuir um caminhão, os lucros são ainda maiores, pois se vende leva o produto para fronteira, vendendo barato para outros países, como Brasil e Colômbia. Norah, brincou novamente com isso, dizendo que foi comum para ela encontrar em Boa Vista, Roraima produtos com procedência Venezuelana enquanto os mesmos encontravam em falta no próprio pais de origem.

Nesse ponto de fronteiras, o principal problema da Venezuela encontra-se na fronteira com a Colômbia (que atualmente das 30 milhões de pessoas que vivem na Venezuela, 6 milhões são colombianos), pois muitos colombianos usam a fronteira para contrabandear produtos, pelo fato da moeda desvalorizada e o baixo custo se comparado com a sua.

Em meio a tantos aspectos negativos Norah, destaca também alguns avanços que o país vem encontrando, como a organização popular. Norah cita um grupo que inclusive faz parte, as “alpargatas solidárias” que se organizam na coleta de dinheiro, compra de alimentos, logística e distribuição para essas famílias que não possuem acesso a certos itens básicos. O governo está criando também uma campanha nacional de repatriação, que garante emprego e moradia para os venezuelanos que reingressarem no país.

As universidades, mesmo não contando com orçamento, continuam ativas da forma como podem, para manter o ensino e criar projetos sociais que beneficiem a comunidade, como o caso da criação de “Kits” animais, onde a universidade vem desenvolvendo uma genética de galinhas que aumente a produtividade e distribuindo para a população, geralmente 5 galinhas e um galo, para o abastecimento de alimentos e proliferação da espécie.

A UNESR montou recentemente um programa de Pós-Doutorado através de intercambio, que além de gratuito (necessitando apenas inscrição simbólica) pode ser cursado a distância tendo apenas três encontros presenciais. O Governo também está criando cursos superiores na área da saúde e pretende lançar 50 mil vagas pelo país na área, para fomentar o número de profissionais da área da saúde no país.

A experiência foi muito enriquecedora, tanto para sabermos a realidade do país vizinho como para entendermos e pensarmos melhor os processos midiáticos e suas consequências.

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